quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SEM EMAGRECEDORES, OBESIDADE SE AGRAVA NO PAÍS


Hoje, a proibição da venda dos derivados de anfetamina no Brasil completa um ano. A decisão da diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou definitivamente das farmácias os remédios femproporex, anfepramona e mazindol, usados no tratamento da obesidade. Sessenta dias após o anúncio, em janeiro de 2012, as drogas tiveram de desaparecer das farmácias. 

"Não há nenhuma perspectiva de que esses remédios retornem ao mercado. Essa discussão foi encerrada", diz Dirceu Barbano, presidente da Anvisa. Com o tratamento interrompido, milhares de brasileiros viram o ponteiro da balança ir cada vez mais longe nos últimos nove meses. A obesidade, uma doença crônica que está virando uma epidemia no mundo todo, voltou a assombrar pacientes que não conseguem emagrecer com a combinação de dieta e exercícios físicos. 
Para muitos deles, o único medicamento do mercado especificamente destinado a esse fim - a sibutramina, um anorexígeno que não tem anfetamina em sua fórmula - não é eficaz. Com os quilos a mais, doenças que andavam controladas ou nem existiam acabaram voltando à tona — como diabetes e hipertensão.

O tratamento medicamentoso não faz milagres — tampouco é recomendado a todos os pacientes. Dados disponíveis sobre a sibutramina, por exemplo, mostram que ela é receitada a uma parcela pequena dos obesos. "Pelos dados da Anvisa, em 2010, 1,7% dos obesos brasileiros receberam indicação de sibutramina. Esse número é muito pequeno, significa que os medicamentos não fazem parte do tratamento rotineiro", diz Ricardo Meirelles, ex-presidente da SBEM e membro do grupo médico que defendeu a permanência dos anorexígenos durante as reuniões com a Anvisa.

Para um certo perfil de paciente, contudo, o uso de remédios é a única saída. Ele é indicado para pessoas obesas (IMC maior que 30) ou que tenham sobrepeso mais alguma doença associada, e que não tenham histórico de problema cardiovascular ou de condição psiquiátrica importante. "Quando a perda de peso com dieta e exercícios físicos não funcionam, há a indicação para o início do tratamento farmacológico", diz Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Orientações da diretriz da SBEM afirmam que a perda de peso já é eficaz quando ela é igual ou maior a 1% do peso corporal por mês. Emagrecer de 5% a 10% do peso inicial já traz benefícios e reduz riscos de desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares.

Após o anúncio da proibição pela Anvisa, o Ministério Público Federal de Goiás abriu inquérito sobre a decisão da agência. De acordo com Ailton Benedito de Souza, procurador responsável pelo inquérito, a ação judicial foi ajuizada no dia 2 de agosto deste ano. "Agora a Anvisa tem 60 dias para contestar. Depois disso, o juiz dá o seu parecer final", diz Souza. Na ação pública foi alegado que os medicamentos já estavam no mercado há décadas e que faziam parte de uma rotina dos pacientes. Ainda no âmbito público, está agendada uma audiência pública para o dia 9 de outubro pela Comissão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos Deputados, com a finalidade de discutir a decisão final da Anvisa. 

OFF LABEL

Com a proibição dos derivados de anfetamina do mercado, entraram em cena com força o topiramato, a bupropiona e a liraglutida. Nenhum desses três medicamentos é aprovado para o tratamento da obesidade. A indicação oficial do topiramato é para casos de enxaqueca e epilepsia; a bupropiona, um antidepressivo usado para combater o vício em cigarros; já a liraglutida - conhecida por seu nome comercial, Victoza - é usada no tratamento do diabetes. Essa drogas, no entanto, têm sido receitadas para o tratamento da obesidade numa prática chamada off label. Em outras palavras, elas ganham outras finalidades que não aquelas previstas em bula. Em alguns pacientes, esses três remédios podem ter a mesma função dos anorexígenos: ajudar na perda de peso.

De acordo com a endocrinologista Nina Rosa Castro Musolino, presidente da regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), quando o paciente não consegue emagrecer com dieta e exercício, e não responde à sibutramina, uma opção é o uso off label. O problema, no entanto, é que uma boa parte das pessoas não responde bem a esses medicamentos. Segundo os endocrinologistas consultados pela reportagem, a prescrição de todos esses medicamentos off label têm aumentado nos últimos meses. "Conforme se tem menos recursos, você começa a usar aquilo que tem em mãos. O que não pode acontecer é você não tratar o paciente", diz Ricardo Meirelles. 

SIBUTRAMINA

Nem a sibutramina está garantida. O medicamento está passando por um período de testes pela Anvisa. De acordo com Dirceu Barbano, no fim do ano a agência deve decidir se a medicação continua ou não no mercado brasileiro. Tudo vai depender de relatórios mercadológicos e sobre os efeitos adversos que forem registrados nesses doze meses. Dados preliminares do levantamento que se encerra em dezembro apontam que houve no país uma redução de 4% no número de prescrições e de 34% no volume da sibutramina vendida. Segundo Barbano, essa queda pode ter sido causada pela redução no número de pessoas que tomavam a sibutramina de maneira indevida.

FIM DA LINHA
A redução no leque de possibilidades terapêuticas seria contornável não fosse um fato já muito conhecido: o metabolismo dos obesos não é igual. Alguns respondem melhor a uma droga, outros se adaptam melhor a outra. Na realidade atual, isso significa que a sibutramina pode ser um ótimo plano B para um grupo de pacientes, e completamente nulo, e até arriscado, para os demais.
Entre aqueles que ficaram sem opção, a alternativa cirúrgica começa a despertar interesse. Segundo Ricardo Cohen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a operação é indicada apenas para obesos mórbidos (IMC acima de 35), pacientes que já não respondem bem aos remédios. "Há sim um crescimento no número de cirurgias, mas isso se deve a sua maior divulgação e ao fim da mitificação do procedimento", diz. Há ainda o grupo de pacientes que, não sendo elegível à bariátrica e não respondendo bem aos off label ou aos medicamentos que sobraram no mercado, não tem outra alternativa senão esperar. 

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